Em todos os canais

Cinco programadoras e programadores de dança da América do Sul visitaram, a convite da Pro Helvetia, os Swiss Dance Days de 2019 em Lausanne. Nessa ocasião, puderam ver mais de perto a promoção da cultura local, desafios do ciclo de festivais internacionais e formas de expressão da dança.
Escrito por Katja Zellweger
Todos os olhos estão voltados para Teresa Vittucci. Ela está sentada em uma plataforma espelhada, em posição mais elevada, e olha para o público com os olhos arregalados. Depois, a artista chama a atenção de seus «espectadores» primeiro com suas unhas pintadas de vermelho e depois usando todo o seu corpo. Com um laptop, ela transmite ao vivo seu show no palco para uma plataforma online interativa e para a sala. Em todos os canais e diante de todos os olhos, ela utiliza aqui os mecanismos da arte cênica: exibicionismo e voyeurismo. Sua performance solo «All Eyes On» é uma parábola sobre o negócio que gira em torno da conquista da atenção das pessoas e da busca de consegui-la.
A peça dela, porém, também é um exemplo perfeito do funcionamento dos Swiss Dance Days, pois nessa 10ª edição as atenções de programadores e programadoras de dança vindos do mundo todo estão voltadas para as obras selecionadas de 15 companhias de dança independentes da Suíça.

«É incrível como a Suíça protege seus artistas»
COINCIDENCIA, o Programa da Pro Helvetia que fomenta o intercâmbio entre a cultura suíça e a sul-americana, convidou cinco programadores e programadoras de dança para participar dos Swiss Dance Days e lhes apresentou casas de espetáculos de dança, pessoas responsáveis pelos programas e artistas suíços. Na conversa com os cinco programadores e programadoras de dança do Brasil, da Argentina e do Chile ficou claro qual era seu interesse: possibilidades e impossibilidades de promoção cultural e de cooperação com casas de espetáculos, festivais e artistas, e, naturalmente, aquilo que era exibido no palco.
A intenção do festival causa admiração em Diana Theocharidis, coreógrafa, dançarina e diretora de programação argentina do Teatro de la Ribera: «Convidar 250 programadores de dança do mundo inteiro para lhes apresentar artistas suíços – é incrível como a Suíça protege seus artistas.» Ela também fica entusiasmada com a configuração do espaço nas casas de espetáculos, o que se tornou visível no Théâtre Vidy: «Um foyer tão movimentado, onde muitas pessoas discutem sobre arte e o que viram, é maravilhoso. Aqui fica visível a disposição de apoiar a arte, seja com um foyer espaçoso, salas bem equipadas ou uma rede internacional para turnês.» Segundo ela, na América do Sul, com suas grandes distâncias e pouco apoio financeiro, a montagem de uma rede assim é muito mais complicada.
Graciela Casabé, diretora da Bienal de Performance de Buenos Aires, que foi, antes disso, durante dez anos diretora do Festival Internacional de Buenos Aires (FIBA), exibe um entusiasmo semelhante ao de Diana. Saudando Vincent Baudriller, diretor do Théâtre de Vidy e ex-diretor do Festival de Teatro de Avignon, como um velho amigo, fala a partir de uma experiência de muitos anos: «Na América do Sul só se podem obter verbas uma vez por ano, e elas nunca são suficientes para financiar todo um projeto.» Com uma situação financeira tão insegura, diz ela, é difícil organizar residências periódicas, desenvolver projetos conjuntos e montar coproduções com artistas da Europa de forma estável. Assim como vários colegas, ela se inspirou com a visita ao «Centro Multicultural L’Abri» em Genebra. O abrigo, localizado no centro da cidade, foi reformado e disponibiliza três salas muito diferentes para jovens artistas que se dedicam às artes cênicas e visuais. «A interligação das disciplinas possibilitada dessa forma é inovadora e muito proveitosa para os artistas», diz Graciela, que, como programadora de performances, sabe do que está falando.
Improvisação e fragilidade econômica
O que caiu na vista de Janaina Lobo Gonçalves, dançarina, coreógrafa e organizadora do JUNTA – Festival Internacional de Dança, de Teresina, no Nordeste do Brasil, foram especialmente as condições diferentes em termos de cronograma. Como as subvenções são sempre muito distintas e são pagas de maneira irregular, montar um programa para uma temporada ou a fixação de uma data para um festival com mais de um ano de antecedência não seria possível: «Nós temos que improvisar muito mais.» Assim, em 2018, o JUNTA, festival do qual ela é uma das organizadoras, ocorreu em novembro, e nos dois anos anteriores em junho. A data de 2019 ainda não está marcada. «Com essa insegurança em termos de planejamento fica difícil organizar turnês. Além disso, o Brasil está bastante à margem do resto da América do Sul, que, de resto, está bem articulada.»
Seu colega brasileiro Fabrício Floro, que programa em São Paulo, a maior cidade do Brasil, a Bienal SESC de Dança, dispõe de mais recursos e de articulações mais estáveis, montadas por períodos mais longos. Ainda assim, ele também enxerga muitas deficiências infraestruturais em comparação com a Europa. Seu empregador é uma instituição nacional privada sem fins lucrativos, fundada em 1946, e que, só em São Paulo, tem 39 centros voltados para a cultura, formação, esporte, lazer e saúde: «Embora o SESC seja uma organização privada, para nós o intercâmbio com o respectivo governo estadual e instituições públicas e o apoio deles são muito importantes. Só assim nós conseguimos criar e formar continuamente, há 73 anos, um público que buscamos atingir com ações artísticas que possibilitem uma referência histórica, social e política ao Brasil.»
A chilena Rocío Rivera Marchevsky, dançarina, coreógrafa e codiretora do festival internacional independente «Danzalborde», de Valparaíso, conhece muito bem a «fragilidade econômica» desses festivais e companhias de dança. «O discurso institucional comete um erro de raciocínio. Os artistas são considerados o ponto fraco do sistema, só que é o contrário. Nós somos o único fator estável, os ginastas olímpicos da adaptação no sistema que muda constantemente.» Perguntada a respeito de uma combinação de datas dos festivais no nível da América do Sul ou dentro de cada país, ela opina que isso seria desejável do ponto de vista ecológico e econômico. Mas falta um apoio regular para garantir anualmente os festivais e, assim, um ajuste das datas. Esse ajuste das datas dos festivais também encerra o perigo de que em toda parte acabem se mostrando as mesmas coisas. «Além disso, casas de espetáculos com uma boa infraestrutura só estão começando a surgir agora.»
Foco em cenografia e performance
E o que dizer da dança suíça apresentada pelos Swiss Dance Days? O que chamou a atenção dos convidados da América do Sul nesse evento foi o foco na cenografia e em muitos trabalhos conceituais. Fabrício, de São Paulo, fala, neste sentido, de uma «grande atenção estética em relação ao cenário, que está próximo das artes visuais». Rivera, por sua vez, muitas vezes utiliza o espaço concreto como cenário em seus trabalhos. Como dançarina com foco na improvisação de contato, ela gosta de trabalhar de modo especificamente voltado para o local («site-specific») e não entende o espaço da apresentação como uma caixa preta, e sim como um local vivo repleto de histórias. «Em Lausanne vi muitas obras fechadas para caixas pretas, que podem adaptar suas cenografias fixas a espaços neutros. Elas correspondem muito mais à lógica usual de programação.»
A dançarina Janaina também está interessada na experiência conjunta da dança, que pretende levar do espaço de ensaios para o espaço público. Em consequência, ficou encantada com a ideia da «Dancewalk», apresentada pela companhia Neopost Foofwa. «Dancewalk – Rétroperspectives» é uma performance criada por Frédéric Gafner, dançarino profissional de Genebra que queria romper com a tradicional seriedade com que a dança é tratada e vista. Vestido com roupas de jogging e dançando ao som da música de um trombonista, ele realizou, em todas as partes do mundo, «Dancewalks» das quais pode participar quem quiser. Por fim, «VR_I» da Cie Gilles Jobin também foi um trabalho muito elogiado. A peça só pode ser vista e vivenciada com um equipamento completo de realidade virtual. Graciela ficou impressionada com o aspecto relacionado à dança, Fabrício com a construção da história e a dramaturgia. Diana, por sua vez, achou fantástica a possibilidade técnica, mas gostou menos do produto visual.
A crítica do jornal «Neue Zürcher Zeitung» sentiu falta, nos Swiss Dance Days, de trabalhos coreográficos virtuosos e viu nos trabalhos dos grupos suíços de dança independentes «aquilo que se designa como ‹No Dance›, dança conceitual ou performance». Diana fez um comentário semelhante: «Pouco se viu daquilo que tradicionalmente se chamava de dança e era mostrado nas companhias.» Em compensação, ela, assim como todos os convidados de Coincidência, elogiou a «interessante e original visibilização do trabalho conceitual» na peça «Sekunden später… … zog sich die Gestalt in die Schatten züruck», da Cie Nicole Seiler. O título [«Segundos mais tarde … a figura se retirou para as sombras»] é um comentário, representado no palco, que aparece na peça e que, por um lado, constitui uma observação e, ao mesmo tempo, uma espécie de instrução coreográfica. Além disso, imagens de sombras projetadas mostram os movimentos dos dois protagonistas em câmera lenta, e também suas pegadas são reproduzidas no palco. A companhia complementa esse nível técnico e gráfico com um nível muito corporal: uma dançarina jovem e um performer mais velho se movem no palco. A presença do corpo de uma pessoa mais velha foi percebida de maneira muito positiva por vários programadores e programadoras de dança. «É a primeira vez que estou vendo um velho dançar assim. No Brasil isso nunca é mostrado assim», diz Fabrício. Para ele e elas, isso foi contrastado pela presença dos quatro homens jovens na obra «Actéon», de Philippe Saire, que discutiam no palco a masculinidade nos dias de hoje. «No Brasil se discute em todos os canais o papel atual das mulheres e, junto com isso, também dos homens na sociedade patriarcal.» Em todos os canais – este é e continua sendo o lema não oficial desses Swiss Dance Days.
Os Swiss Dance Days, criados em 1996, são realizados a cada dois anos em cidades alternadas da Suíça. Um júri composto por programadores e programadoras de dança da Suíça (em 2019: Vincent Baudriller, Théâtre Vidy de Lausanne; Anneli Binder, Dampfzentrale de Berna; Patrick de Rahm, Arsénic de Lausanne; Catja Loepfe, Tanzhaus de Zurique; Philippe Saire, Théâtre Sévelin, de Lausanne; Stefano Tomassini, LIS/LAC, de Lugano) selecionou, dentre 150 obras examinadas, 15 que são apresentadas no palco. Além das apresentações, ocorrem um Salon des Artistes e outros eventos de articulação.
A delegação nos Swiss Dance Days, convidada por COINCIDENCIA, era composta por:
Graciela Casabé, Argentina: Fundadora e diretora da «Bienal de Performance de Buenos Aires» desde 2015, presidente da Fundação Babilonia para as Artes, a Ciência e a Cultura, da qual surgiu, em 1997, o Festival Internacional Buenos Aires (FIBA), que ela dirigiu de 1999 a 2007.
Janaina Lobo Gonçalves, Brasil: Dançarina, coreógrafa, que ocupa, no Nordeste do Brasil, a função de coordenadora do Balé Municipal de Teresina e leciona na Escola de Dança Lenir Argento. Em 2005, fundou o Junta – Festival Internacional de Dança de Teresina, que dirige junto com Jacob Alves e Datan Izaká.
Rocío Rivera Marchevsky, Chile: Coreógrafa, dançarina, performer, docente e designer gráfica. Fundadora e diretora da Companhia de Dança Mundomoebio/escenalborde bem como cofundadora e codiretora das plataformas «Escenalborde – Artes Cênicas Contemporâneas» e «Festival Internacional Danzalborde» em Valparaíso.
Fabrício Floro, Brasil: Curador da Bienal SESC de Dança de 2017 e 2019, assistente do setor de dança do Departamento de Ação Cultural do SESC (Serviço Social do Comércio) de São Paulo.
Diana Theocharidis, Argentina: Dançarina e coreógrafa de atuação internacional, integrante da diretoria da Fundação Nacional de Cultura da Argentina, responsável pela programação do Teatro de la Ribera.