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COINCIDENCIA Pesquisa

«SIMETRIA» Quando arte e ciência se dispõe a conceber novas ideias

«SIMETRIA» Residência 2019

CERN Suiça >> 25 Junho a 12 Jullho
ALMA Chile >> 5 a 30 Agosto 2019

por Carolina Martínez

Há disciplinas e âmbitos humanos que, desde suas origens, estão destinados a indagar os aspectos mais fundamentais da existência e a descobrir os segredos da origem do universo – e com isto, a própria vida. É bem aí que podemos situar a arte e a ciência, ambas dedicadas à criação e experimentação, mas, ainda assim, percebidas por muitos como esferas opostas.

Através de suas práticas, a arte busca atingir uma compreensão das coisas por meio da sua reflexão em paralelo à vida, levando as pessoas ao questionamento do mundo, sem necessariamente chegar a uma resposta. As ciências também buscam essa compreensão, mas trabalhando intensamente para encontrar respostas precisas e exatas. Essas duas abordagens, de certa maneira, querem chegar ao mesmo lugar. Essas são suas vocações imanentes.

Entendendo e ressaltando esse ponto de encontro, empreendeu-se a missão, ou o desejo, de criar conhecimento a partir de ambas as áreas. Isso não significa que uma disciplina possa substituir o valor da outra, mas que, em conjunto, elas possuem o potencial exponencial de criar novos modelos de pensamento, gerando, em consequência, uma melhora na vida das pessoas e na sociedade.

Nesta premissa, em 2018, três dos principais centros de pesquisa científica do mundo uniram forças para criar um programa de residência artística na Suíça e no Chile, conectando a Europa e a América Latina. Um deles é a Organização Européia de Pesquisa Nuclear (CERN, na sigla em francês), o maior laboratório de física de partículas do mundo, com sede em Genebra (Suíça) e cuja missão é pesquisar de que é feito o universo e como ele funciona. Os outros dois são o Atacama Large Millimeter Array (ALMA), o maior e mais ambicioso centro astronômico, localizado no norte do Chile, em parceria com o Observatório Europeu do Sul (ESO). E como a ALMA é uma instalação astronômica internacional, também está em parceria com a Fundação Nacional de Ciências dos Estados Unidos (NSF) e os Institutos Nacionais de Ciências Naturais (NINS) do Japão, em cooperação com a República do Chile.

A ALMA é financiada pela ESO em nome de seus Estados Membros, pela NSF em cooperação com o National Research Council of Canada (NRC) e o National Science Council of Taiwan (NSC) e pelo NINS em cooperação com a Academia Sinica (AS) em Taiwan e o Korea Astronomy and Space Science Institute (KASI). A construção e operações da ALMA são lideradas pelo ESO em nome dos seus Estados Membros; pelo Observatório Nacional de Radioastronomia (NRAO), gerido por Universidades Associadas, Inc. (Associated Universities, Inc.). (AUI), em nome da América do Norte; e pelo National Astronomical Observatory of Japan (NAOJ), em nome do Leste Asiático. O Observatório Conjunto ALMA (JAO) proporciona a liderança e gestão unificada da construção, comissionamento e operação da ALMA.

Esses dois centros de pesquisa deram vida ao projeto de residência «Simetria», organizado pela Corporação Chilena de Vídeo e Artes Eletrônicas com o apoio do COINCIDÊNCIA, programa de intercâmbios culturais entre a Suíça e a América do Sul da Fundação Suíça para a Cultura, a Pro Helvetia, e do Ministério das Culturas, Artes e Patrimônio do Chile. Conforme indicado por seu nome, esse projeto busca estabelecer e proporcionar espaços de pesquisa, criação e diálogo transversais entre os âmbitos de estudo associados e os países e entidades envolvidas.

 

Nicole L’Huillier. A beleza do fenômeno da vibração no universo

Nicole L’Huillier at ALMA in Chile

Do Chile, foi selecionada Nicole L´Huillier, artista transdisciplinar chilena que atualmente reside em Boston, Estados Unidos. Os seus tópicos de pesquisa estão relacionados à exploração do som no espaço e a como, através do encontro entre arte, ciência, tecnologia e música, é possível imaginar outros cenários além dos nossos limites terrestres.

Para descrever a artista e sua obra é necessário viajar ao passado. Nicole L’Huillier reconhece ter sido curiosa desde criança, sendo que as suas primeiras explorações foram relacionadas à música. Os instrumentos musicais e seus mecanismos chamaram sua atenção. Começou a tocar, sem nunca ter estudado formalmente a área. A sua formação acadêmica veio com a arquitetura, graduando-se na reconhecida Universidade do Chile. Enquanto estudava lá, interessou-se pela noção do espaço e por como cada elemento interage e é afetado por outros elementos num determinado contexto. Naquele momento, viu-se atraída também pelos materiais enquanto linguagem e pelo adequado equilíbrio das coisas e da harmonia no cosmos. Foi nessa época que surgiu o questionamento sobre como lidar com o som como material de construção e como trabalhar com esses materiais invisíveis, traduzindo-os, desde a abstração, em algo comunicável.

Para entender e responder a esses questionamentos – e assombros, ao mesmo tempo – Nicole L’Huillier decidiu cursar um mestrado em Media Arts & Sciences no MIT Media Lab, entendendo-o como o caminho lógico para aprofundar sua pesquisa. Durante os seus estudos de mestrado, os conceitos de trabalho chave foram o material, a arquitetura, o espaço e o som. Em seu trabalho atual como doutoranda no MIT Media Lab, Nicole busca ir além na exploração das vibrações e no assunto do som como material de construção no espaço. A artista diz sempre se encontrar nesses lugares e nos interstícios onde a arte se cruza com a ciência e a tecnologia, lugares onde a colaboração é fundamental.

É essa noção de colaboração e intercâmbio que Nicole L’Huillier destaca na união e relação entre arte e ciência. É a capacidade de conceber novas ideias e não apenas se sentir inspirado por algo e trazer esse algo à própria prática: «O que eu realmente gosto é da conversa que surge, não somente convidando os artistas ao CERN ou ao ALMA, mas estando verdadeiramente dispostos a construir um mundo novo».

Nicole L´Huillier sound installation at CERN

A artista chilena desenvolve, há algum tempo, obras experimentais que se entrelaçam com a ciência. Mas foi com um dos seus últimos trabalhos, «Telemetron», que ela chamou a atenção de maneira definitiva. O «Telemetron» é um dispositivo musical que consegue emitir som em condições de gravidade zero, sendo capaz de funcionar de maneira quase independente da ação humana. De fato, esse dispositivo depende mais dos fatores que a artista diz tentar colocar no equilíbrio certo. É assim que esse projeto incorpora as linhas de pesquisa – e fascinação – próprias da Nicole.

Como no caso do participante suíço, Alan Bogana, a residência de Nicole L´Huillier, ocorreu em diferentes momentos e espaços. Entre os meses de junho e julho de 2019, Nicole esteve nas instalações do CERN. Em agosto do mesmo ano, visitou o Observatório ALMA e o Very Large Telescope localizado no Observatório Paranal no norte do Chile, assim como os escritórios da ALMA e ESO em Santiago. Nestes períodos, o intercâmbio foi muito enriquecedor e as conversas giraram em torno das coisas que não podemos ver, a beleza da abstração. Eis a importância da extensão das percepções, pois se há algo que marcou a ciência e tecnologia desde o início do século XX, é a necessidade e a obsessão de que todas as funções, cálculos e medições passem da abstração à materialização – ou, pelo menos, à possibilidade de serem vistas e entendidas pelos sentidos humanos.

O valor dessas colaborações reside na possibilidade de ampliar a noção de realidade e dividi-la com o resto do mundo, mas não apenas no sentido da relação da ciência com o mundo. É poder conectar a ciência e a arte com outras capacidades. Nas palavras da artista, se todos tivéssemos a chance de entender o que acontece nos campos da ação, entendendo, por exemplo, de que é feita a matéria, o mundo estaria menos dividido e, sem dúvidas, seria um mundo melhor.

O processo de pesquisa, conceituação e criação está apenas começando. A sua materialização ocorrerá através de um projeto ou obra que, por enquanto, é difícil de definir ou delimitar. Atualmente, a sua atenção está focada em um trabalho que estará na Bienal de Artes Mediales (Bienal de Media Arts), que acontecerá no Chile entre os meses de novembro de 2019 e janeiro de 2020, com diferentes venues na capital do país.

 

Alan Bogana. Narrativas ficcionadas da luz e matéria

Alan Bogana at ESO Library in Santiago, Chile

Da Suíça, o selecionado foi o artista multimídia, Alan Bogana, que se envolveu com as media arts antes mesmo de começar a faculdade de artes em seu país. A sua aproximação iniciou-se com as ferramentas, tanto as utilizadas para produzir e pesquisar esse tipo de prática artística, como as usadas pela ciência e a tecnologia. A partir desse ponto, o artista passou a explorar o fenômeno dos mecanismos de registro e visualização, tais como o vídeo e a fotografia, envolvendo, depois, outros tipos de fenômenos que enquadram a produção. A compreensão desses fenômenos possibilitouagnificar a realidade do nosso entorno e, com isto, operar e criar a partir da reflexão visível o invisível, moldando as percepções que modificam o mundo circundante.

As metodologias e obras do artista baseiam-se na compreensão dessas ferramentas, são elas que lhe permitem fazer arte a partir da ciência. Alan concorda com Nicole que a relação entre os diferentes campos pelos quais um artista pode transitar é algo fundamental. É a partir dessa concepção que as múltiplas narrativas e estilos que Alan utiliza acabam entrelaçando-se com o ficcional das realidades e ciências que ele estuda.

Essa ficção de algo totalmente tangível, como é o espaço circundante, é construída por meio de suas principais áreas de trabalho: a matéria e a sua interação com a luz. Dessa maneira, Alan tem focado sua atenção em instalações, esculturas e vídeos que abordam esses elementos de diversas maneiras. Além disso, o artista lança mão de gráficos computacionais, eletrônica, time-based media e holografia para relatar os mundos por ele construídos e que fazem alusão à subjetividade própria da percepção do mundo.

Nessa forma de produção, o artista recorre à apropriação. Isto é, à incorporação de elementos alheios ao campo da arte para exibi-los ou fazê-los emergir a partir de uma subjetividade que, às vezes, pode ser críptica, na medida em que ela não almeje ilustrar ou representar outros conhecimentos. Por isso, através dessa reapropriação, insertam-se e apresentam-se seus processos de pesquisa que viraram obra, envolvendo a mineralogia, a fotografia ou a química nesses relatos. Assim, por exemplo, Alan é capaz de reconstruir em um vídeo como seria um planeta feito de diamante, ou de recriar com um holograma digital as moléculas de um componente criado pelo escritor de ficção científica Isaac Asimov.

A pregunta sobre se o intercâmbio entre arte e ciência flui proporcionalmente em ambos os sentidos não é novidade para esse artista, que espera que, de suas aproximações e metodologias, brindem-se novas perspectivas para a ciência, abrindo espaço para novas conversas e para criar e pensar novas ideias em conjunto.

As estadias de Alan no ALMA e no escritório do ESO foram a sua primeira vez no Chile e na América Latina, lugares concebidos pelo artista como contextos únicos e singulares onde ainda há grandes coisas a se fazer e um foco na promoção de melhorias nos campos da arte e da cultura. A tarefa está inacabada e ainda há um longo caminho a percorrer. Por enquanto, o que se segue ao projeto «Simetria» é um intenso trabalho de pesquisa e criação, processo que foi potencializado pela inesperada seleção para fazer parte dessa iniciativa, que representou uma ótima oportunidade para adquirir maior conhecimento e preparação.

Nicole L´Huillier and Alan Bogana at Paranal Observatory. The background is the ESOs VLT.

«Ter a oportunidade de pesquisar nesses grandes centros científicos de física e astronomia e poder estabelecer pontes de discussão entre ambas as disciplinas não é apenas um privilégio ou uma oportunidade. É uma responsabilidade de dar forma às coisas e a esses impulsos que envolvem grandes esforços por parte de várias entidades e pessoas. Os limites não devem ser eliminados, mas apagados, absorvendo outras sensibilidades e outras maneiras de fazer, pensar e criar. Isto inclui abrir a possibilidade de errar. Não é necessário substituir os espaços já existentes, mas criar outros e explorar as oportunidades. »