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COINCIDENCIA

«Pensar/ Transferir/ Agir» – Entrevista com Felipe Castelblanco

"Nowhere Islands" © Felipe Castelblanco

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Felipe Castleblanco
Carolina Martinez

Data
Julho de 2020

Por Carolina Martinez

Nos últimos meses, o mundo inteiro contou uma história coletiva sem ter combinado nada antes. Geralmente, as diversas histórias e acontecimentos que ocorrem em lugares diferentes são reunidos sob uma narrativa comum que é interpretada como a realidade de um momento, espaço e tempo.  

O programa «COINCIDÊNCIA», quer, neste momento, possibilitar o encontro de ideias, anseios, medos, críticas e diversas formas de expressão humana e artística para, em conjunto, discutir que novas formas, modelos e linguagens podemos projetar para um mundo pós-coronavírus. 

Cartographies of the Unseen" shown at WildPalms Gallery in March 2020 © Felipe Castelblanco
Cartographies of the Unseen” shown at WildPalms Gallery in March 2020 © Felipe Castelblanco

 

CAROLINA MARTINEZ: Estamos em um período de adaptação coletiva, uma situação e momento em torno dos quais têm se refletido bastante sobre o impacto individual e global, onde estamos conseguindo ver uma mutação e, com ela, o perigo da mudança. Podemos reconhecer essa potência perigosa? Onde e de que maneira essa latência se manifesta? 

FELIPE CASTELBLANCO: Penso que hoje, mais do que nunca, o mundo se fechou em si mesmo. 

Com isso, quero dizer que as pessoas em todo o mundo conseguem captar uma compreensão do planeta enquanto um sistema limitado e interconectado de maneiras que não podíamos antes, embora já tivéssemos globalização, gravidade e Elon Musk. 

Por um lado, talvez um ponto positivo da pandemia seja percebermos que apenas um esforço (ou sacrifício) coordenado real entre todas as sociedades pode ajudar a conter ameaças planetárias. 

Vimos como um vírus se espalha, cidade por cidade, e como todos nós corremos risco. Portanto, a única esperança é que nossos vizinhos, por puro senso comum, sigam as mesmas regras que nós. 

No entanto, o desafio é que todas as distâncias entraram em colapso e, de repente, nossos amigos em Sydney e Los Angeles estão muito mais próximos do que aqueles que vivem do outro lado da rua, os quais, por «medos contagiosos», podem nem sequer nos dizer ‘olá’. 

Paradoxalmente, esses amigos distantes, porém «conectados», não nos ajudarão a votar no próximo líder responsável por nossa cidade, nem apoiarão a pequena livraria, a loja de artesanato ou o centro comunitário em nosso bairro. 

Por outro lado, essa situação nos lembra que somos residentes temporários neste mundo e a pandemia torna todos os nossos sistemas e culturas fugazes, frágeis, ou mesmo, completamente desnecessários. É mesmo verdade que precisamos viajar por cidades movimentadas para participar de uma palestra, uma reunião ou até voar centenas de quilômetros para ver e «ser visto» em eventos de arte badalados? Esse período revelou o quão mal equipados nos tornamos, a maioria de nós dos setores culturais, quando se trata de ajudar a colmatar escalas temporais maiores ou a fazer circular mensagens por outros meios que não a tela digital. É como se muitos de nós tivéssemos esquecido as lições dos últimos séculos, nos quais também havia pandemias, viagens restritas, mas também inúmeras maneiras pelas quais as pessoas permaneciam conectadas, criativas e responsáveis perante o contexto local e o momento histórico. Talvez com uma economia lenta e a crescente crise energética e climática, no final das contas as telas desliguem para sempre e as imagens e palavras desse período também desapareçam. Receio que o Covid-19 não será lembrado por movimentos criativos e culturais com produção em livre circulação, e sim pelo vazio que as mídias sociais deixarão para trás assim que seus servidores precisarem ser apagados para abrir espaço para mais um evento mundial. 

Still from Driftless © Felipe Castelblanco
Still from Driftless © Felipe Castelblanco

CM: A abertura daquilo que acontece nos campos da arte e da ciência e, em geral, do conhecimento, é possível graças à comunicação e, sobretudo, à transmissão, que é ao que o «COINCIDÊNCIA» se propôs desde o começo do programa. Nesse sentido, a troca de diálogos se manifestou através de viagens, residências, exposições e outros projetos: instâncias que hoje têm que buscar uma reconfiguração. Diante desse novo cenário, como você acredita que poderíamos, hoje e no futuro, conseguir essa troca? Que novas experiências podem ter impacto nesta transferência? 

FC: Não há dúvida de que algumas coisas deixarão de ser tão globais como eram antes. Nesse caso, as trocas culturais internacionais sofrerão tremendamente, enquanto os formatos on-line para eventos e trocas culturais talvez se tornem mais populares. Por exemplo, ontem à noite participei de uma «inauguração virtual» em Karlsruhe (Alemanha) logo após uma reunião com jovens cineastas na Colômbia, tudo sem sair do meu estúdio na Basileia. Obviamente, esses formatos on-line abrem o campo para criadores, audiências e interessados, tanto novos quanto experientes, se unirem de maneiras mais inclusivas, mas, para mim, os problemas ainda são: o que acontece com quem tem acesso limitado à Internet? Ou como garantir que a experiência permaneça e que os diálogos levem a ações em esferas offline? 

Considerando que antes tínhamos apoio à pesquisa via viagens de campo ou residências para artistas e curadores, agora precisamos ser flexíveis e considerar um apoio à pesquisa remota, até mesmo on-line; envolver aqueles que vivem nos locais de destino como coprodutores/copesquisadores; mudar a lógica do criador enquanto identidade que produz resultados únicos ou finalizados e, em vez disso, abraçar a ideia de assembleias compostas por comunidades e criadores que iniciam processos, produzindo múltiplas respostas e estabelecendo pesquisas ou trocas recíprocas. Também é o momento de trazer de volta a «Mail Art» (Arte-Correio ou Arte por Correspondência), instruções e reconstituições performativas ou formatos de publicação DYI (faça você mesmo) que podem ser reimpressos em qualquer lugar e, através destes, nos colocarmos de volta no caminho criativo que permite aos artistas/criadores/agitadores uma reconfiguração completa da autoria. 

 

CM: A instabilidade que o mundo e cada um de nós está sentindo nos torna conscientes de nossa fragilidade, atribuindo ao futuro um novo significado. Paramos juntos e estamos vivendo um tempo que poderíamos denominar «de espera». Como você manifestou em seu trabalho esse presente que, de alguma forma, por enquanto só tem a si próprio? É possível pensar no futuro e, assim, imaginar novos contornos possíveis para os seus projetos? 

FC: Do meu ponto de vista, a pandemia colocou em risco o futuro, mas também as projeções, valores e modelos que construímos em torno da profissionalização das artes, da produtividade como visibilidade ou mesmo do empreendedorismo cultural. Penso que o meu trabalho «futuro» é precisamente desfazer minhas próprias expectativas e confiança excessiva nesses valores que às vezes estabelecem «criatividade como produtividade», algo que valorizamos nas esferas culturais europeias.  

Prefiro agora ser movido pela urgência e não pela necessidade de permanecer produtivo como forma de permanecer visível em nossas redes culturais. Por exemplo, logo antes das medidas de quarentena, eu estava filmando e realizando trabalhos de campo na Amazônia colombiana como parte de um projeto apoiado pelo COINICIDÊNCIA. Apenas alguns dias após meu retorno a Basileia, e por causa do lockdown na Colômbia, os incêndios florestais voltaram a ocorrer, a presença paramilitar aumentou e as operações de mineração foram retomadas perto da cidade de Mocoa. Com bastante tempo livre e em quarentena na Basileia, foquei em editar e pôr em circulação, de forma silenciosa, muitos vídeo-ensaios curtos, como forma de apoiar meus colaboradores indígenas na região. Às vezes, me sentia desconectado dos discursos mais intelectuais e críticos sobre culturas on-line, redesenho social, decrescimento etc., ao passar pelas contas do Instagram de colegas, galerias e museus de todos os cantos. Dependendo de como você vê, esses dois meses podem ter sido para mim artisticamente «improdutivos» por causa do meu medo de me envolver com o «mundo da arte» das mídias sociais ou, então, extremamente criativos, porque foram alimentados por uma inegável urgência. 

Como artistas, penso que precisamos parar um segundo e pensar duas vezes por que nossas indústrias criativas foram consideradas não essenciais; desde quando o tipo de viagem que fazemos à trabalho, na maioria dos casos, depende exclusivamente de companhias aéreas que consomem tantos subsídios de impostos e combustível; e, finalmente, por que nos tornamos tão dependentes da «produção criativa» contínua para permanecer visível e alimentar nossas máquinas culturais famintas? Claro, não é que eu tenha superioridade moral neste assunto. Ao contrário, sou um artista emergente com apenas muitas milhas aéreas para provar meu humilde sucesso. De qualquer forma, quando olho para os últimos dois meses, nenhum futuro parece mais promissor do que um passado em que existia um sistema de assistência social mais forte, quando as sociedades usavam menos combustíveis fósseis, quando as comunidades remotas ainda desfrutavam de comida e soberania territorial e, finalmente, quando nem toda a arte relevante precisava pender de um mural do Instagram ou do Facebook. 

 

"Nowhere Islands" © Felipe Castelblanco
“Nowhere Islands” © Felipe Castelblanco

CM: A arte ativista e no espaço público e tenta gerar mudanças, pensar em sistemas e processos e conseguir abrir uma janela de reflexão e crítica às pessoas. Como esse espaço comum e com certa liberdade (sabemos que, na verdade, não é o caso) pode ser reocupado após o sistema da arte e sua maneira de se comunicar, expressar e criar ter se transformando? artivismo pode tentar novamente a emancipação dos corpos e da sociedade? Como? 

FC: Embora arte e mudança social sejam termos que soam bem um ao lado do outro, não podemos esperar que uma coisa venha da outra. Muitos artistas-ativistas na verdade lutam para se enquadrar em esferas artísticas bastante limitadas: o mundo acadêmico, mercados, instituições culturais ou mesmo o espaço público urbano altamente regulamentado. Talvez os artistas ainda não tenham se emancipado das restrições de tradições culturais de nossa própria invenção que, por vezes, paralisam. A partir dessa posição, muitas vezes nos sentimos impotentes para produzir um discurso político mais amplo, oferecer ideias concretas para afetar as políticas ou transformar efetivamente a governança, mesmo quando estamos lutando por mudanças sociais. No entanto, à medida que as fronteiras profissionais esmaecem, acredito que os artistas também podem se infiltrar ou até cooperar mais estreitamente com as estruturas estatais, mas apenas se reconhecermos que lidar com poder e informações com eficiência também é uma atividade criativa que vale a pena. 

Como Nato Thompson colocou, o problema é que «enxergar o poder» é uma habilidade artística essencial, mas raramente ensinada em escolas de arte ou rentabilizada para galerias ou colecionadores, portanto, ainda é um método criativo com pouca tração. Claro, seria bom se mais profissionais da arte vissem os projetos de «artivismo» como cursos intensivos sobre o poder e os críticos abandonassem sua análise cultural autoindulgente que muitas vezes torna essas práticas menos provocativas ou um pouco didáticas (como na arte de baixa qualidade). 

Portanto, artistas com motivação política, como qualquer outro profissional, precisam encontrar valores em comunidades, processos e atitudes paralelos fora do campo artístico e, com eles, ser capazes de desafiar o predeterminismo autoimposto, a pressão econômica e as expectativas estéticas. Em outras palavras, manter uma prática porosa e abrir as portas para intercâmbios improváveis e cooperações entre disciplinas pode elevar o potencial da arte de contribuir para a mudança social. Existem muitos casos em que os artistas trabalharam em estreita colaboração com grupos políticos ou ganharam voz política (pense no Partido Verde de Joseph Beuys ou no terrível exemplo de Hitler enquanto pintor frustrado que se transformou em ditador). No entanto, há menos casos em que os artistas realmente contribuíram para novas estruturas sociais ou se engajaram no poder e nos esforços de construção do Estado como seu ofício. Em seu sentido mais literal, escritores como Tirdad Zolghard ou Suhail Malik debateram o assunto e até defenderam um tipo de arte como arte de governar, significando formas emergentes de práticas criativas que trazem ativismo, fazer artístico, crítica cultural e política em um mix que oferece modos artísticos totalmente equipados para interagir com aparatos estatais altamente tecnocráticos. Nesse sentido, lidar criativamente com o poder se torna tão, se não mais, importante que lidar com a criação de significado.  

Para artistas como eu, trabalhando em questões de justiça social e ambiental, esta é uma oportunidade para repensar nossas táticas, mas também para nos preparar para uma batalha ainda mais difícil, no nível de poder e significado, que ainda está por vir. Mesmo nos últimos dois meses, vimos uma rápida mudança no equilíbrio de poder entre as regiões e como, de uma hora para a outra, a pandemia ajudou as prioridades econômicas dos estados neoliberais, ao mesmo tempo em que nega todos os apelos recentes à ação vindo de iniciativas lideradas por comunidades que lutam por uma mudança social estrutural (de Santiago do Chile a Bogotá, Basileia a Joanesburgo ou Hong Kong a Minneapolis).  

Agora devemos nos ajustar rapidamente a novas regras e novas demonstrações de poder. Isso tornará o mundo pós-pandemia muito mais duro para aqueles que ainda trabalham e resistem às desigualdades sociais, às indústrias extrativas e aos políticos debilitantes que vendem políticas de recuperação enganosas. Enquanto isso, artistas, como praticamente qualquer outra pessoa viva hoje, podem escolher uma vida de serviço à sociedade e, através dela, produzir novos valores, situações, códigos culturais, metáforas e, o mais importante, alianças novas e duradouras. 

 

 

CM: As experiências de troca e diálogo são fundamentais em sua prática. Você já pensou em novas maneiras de incluir essa crise e essa mudança em sua ação? Como gerar a troca de experiências, pensamentos e culturas em um futuro próximo?  

FC: Talvez o Covid-19 finalmente tenha acabado com o ritmo acelerado da vida moderna, nos forçando a entrar no casulo e redefinir nossa compreensão das interações sociais e de quanto espaço é necessário para continuarmos com nossas vidas. Nos últimos dois meses, desaceleramos e observamos medidas de distanciamento social, enquanto o mundo industrial e algumas de suas práticas terríveis se aceleraram. Por exemplo, aumentou o número de crimes não denunciados contra pessoas e contra a natureza na Amazônia colombiana, onde conglomerados multinacionais extraem petróleo, água e minerais sem parar, enquanto ativistas, jornalistas e ONGs não conseguiram fazer seu trabalho por causa da quarentena. 

Durante toda a crise, estive pensando em como a maioria dos criativos pode se entregar a temporalidades quase completamente diferentes da maioria das pessoas e de todos os setores. 

Essa experiência me fez perceber que, como artistas, falamos devagar com o momento e, ao fazê-lo, contribuímos para uma memória coletiva e multimodal de nossas sociedades. 

Portanto, devemos honrar esse privilégio com reciprocidade e garantir que nosso trabalho permita que outras pessoas experimentem a vida, ou se envolvam com eventos também em temporalidades ligeiramente únicas. 

No meu caso, redescobri o poder do filme e da narrativa (mesmo que não linear ou confinada a uma única tela) para atrair os espectadores a um estado de espírito em que podem olhar a natureza com mais atenção. Onde há chance de diálogo interno e intercâmbio com o mundo fora deles. 

Além disso, minha pesquisa atual me aproximou do trabalho e do sofrimento de bravos protetores de terra e líderes comunitários no sudoeste da Colômbia, cuja luta precisa ser apoiada em todos os níveis, mesmo através da «tradução audiovisual» daquilo que é tão conceitualmente ou emocionalmente complexo que palavras sozinhas não conseguem transmitir. 

Portanto, estou começando a ver meu trabalho também como uma plataforma que pode posicionar não apenas meu discurso, mas oferecer um espaço para muitas pessoas sustentarem um diálogo transformador entre si, e até mediarem, através de filmes e instalações. 

Acho que antes do lockdown eu já estava trabalhando nessa direção, estabelecendo um Coletivo de Mídia Indígena na região da Pan-Amazônia, juntamente com líderes juvenis IngaSionaAwaKamënstáQuillacinga e Nasa, e os artistas Lydia Zimmermann e Camilo Pachón, da Ambulante Colômbia. O trabalho que criamos até agora é exatamente isso: um relato histórico do que está acontecendo nos territórios ancestrais, uma representação cinematográfica de uma paisagem biocultural complexa; e um ponto de entrada para geofilosofias ancestrais das regiões da Pan-Amazônia. 

Acredito que a maioria dos artistas concordariam que, tirando os cancelamentos de eventos, a pressão econômica ou a dificuldade logística quanto ao cuidado das crianças, a quarentena não afetou nossa experiência de tempo no estúdio nem o fluxo de nosso processo criativo. 

No mundo criativo, a maioria das coisas leva tempo e precisa seguir seu próprio curso. 

É por isso que o impacto do período de quarentena para mim será sentido em outros aspectos da vida, onde há muita pressão da máquina produtiva capitalista em que vivemos. Gostaria apenas que essa experiência de casulo nos deixasse um desejo duradouro de cuidado e atenção, nos lembrasse que talvez precisemos de mais tempo para processar e entender os eventos da vida, que canais de notícias 24 horas são pelo menos 23 horas de opiniões não solicitadas ou pura divagação, e que se envolver em uma conversa profunda e transformadora implica um grande compromisso e uma reciprocidade real. 

Portrait © Felipe Castelblanco
Portrait © Felipe Castelblancos