«Across the Boundaries of Language – Metodologias da Escuta» – residência de Valentina D’Avenia no Brasil
Brasil — Residências![Valentina D'Avenia no Maranhão [Brasil]](https://southamerica.prohelvetia.org/app/uploads/sites/20/2023/01/valentina-davenia-edited-940x390.jpg)
Mais informações
Foi na aparente desordem dos manguezais que Valentina D’Avenia [CH] encontrou um norte, uma forma de estruturar sua residência «Across the Boundaries of Language – Metodologias da Escuta», que ela conduziu por diversas regiões do Brasil.
No projeto, a curadora e tradutora buscou “inventar um método de escuta em tradução”. “É algo bem conceitual. Mas significa o quê? Significa que na Europa as pessoas estão acostumadas a receber todo conteúdo já traduzido em francês ou em inglês. Muita gente quer ouvir falas decoloniais, falas críticas, mas só escuta nessas línguas. Então eu fiquei pensando: será que dá para reeducar nossa escuta, para conseguir prestar mesmo atenção numa coisa que está traduzida, que está se formulando?”, conta.
O mangue, diz, tornou-se uma metáfora para esse emaranhado de referências culturais, que se mesclam também às pesquisas de Valentina sobre linguagem queer – atualmente, ela é diretora do FdS – Festival de Sexualidade e Gênero, em Lausanne [CH].
“O mangue é esse lugar limiar entre terra e costa, não é salgado nem doce (é salobro), é um ecossistema sólido e por vezes frágil, tem várias coisas ambíguas e muito ricas. Eu vejo como um lugar muito estranho, muito queer, e ainda há várias lendas sobre seres encantados que vivem nesse ambiente. E o mangue me trouxe uma segurança, porque tive a sensação de estar plantando várias raízes durante essa residência, sem saber direito aonde eu estava indo. E eu pensei que esse desordenado dele pode ser também um equilíbrio, um norte.”
As raízes desse manguezal levaram a curadora por diversas partes do Brasil, país com quem mantém relação há cerca de dez anos. Ela começou sua pesquisa em agosto de 2022, passando por um evento na Casa do Povo, em São Paulo, depois pela residência Chão, em São Luís (Maranhão), por Teresina (Piauí), Fortaleza (Ceará) e pela Casa do Sereio, em Alcântara (Maranhão) – cidade múltipla, que conta com uma base espacial e também com uma grande quantidade de comunidades quilombolas. Depois, passou alguns dias no Rio de Janeiro e regressou a São Paulo, onde organizou parte do material dentro do espaço do Pivô.

“Esses três meses foram um momento de absorver muito e escrever, às vezes em francês, às vezes em português. Acho que o meu cérebro em duas línguas é uma relação muito importante em tudo que eu faço. Penso o mundo através dessas duas línguas. E, quando eu cheguei a São Luís, eu reparei que tem muita palavra que eu não entendo, e isso é muito prazeroso para mim. Quando a palavra ainda não tem um sentido, ela está cercada de possibilidades. Se você escuta um termo pela primeira vez e tenta, pela sonoridade, criar algo, ligações com outras palavras conhecidas, isso cria algumas confusões, muitas vezes poéticas. Na verdade, é disso que eu gosto”, explica Valentina, que nesse período veio traduzindo também gírias e músicas funk.
“E eu fico pensando a tradução o tempo inteiro, brincando com isso. Tentando ver o que se traduz e o que não se traduz, seja nas músicas ou na vida cotidiana. Eu acho que a tradução é uma metáfora. Fico o tempo inteiro querendo traduzir contexto, estado do pensamento crítico, perspectiva, vivência. E eu acho que o que eu ando fazendo aqui [no Brasil], há dez anos agora, é criar um deslocamento forte. Sempre que eu venho para cá, eu me desloco. Ir para São Luís me fez atualizar realmente a minha noção do que é cultura e o que é arte. Num lugar que tem tão forte uma arte dita popular.”
Todo o processo de residência, diz a curadora, foi feito num ritmo lento, de desenvolvimento dessa metodologia de escuta. “Eu decidi não ser assimiladora. Decidi receber as melhores respostas sem perguntar nadinha. Queria estar no tempo das coisas, não atravessar tudo.”
“Acho que existe um conflito em mim com essa ideia de residência. De ser bancada pela Suíça para estar no Brasil e viajar, coisa que muitos brasileiros não poderão fazer, e estar criando narrativas sobre aqui. Então, muitas vezes, defendo essa passividade na pesquisa, porque acessar um lugar como Alcântara, para o meu corpo e para a minha vida, não é algo que vou entender facilmente, mesmo falando a língua. Porque as coisas são sutis. Comunicação e tradução não são só idioma.”